segunda-feira, 21 de março de 2011

Bom e claro português

Eu sempre defendi, valorizei, fiz propaganda da escola do Yuri. Por isso, recebi como uma desagradabilíssima surpresa a notícia de uma professora que, ano passado, usou o Caio como exemplificação da palavra “retardado”.

Como mãe, fiquei com muita raiva. Pelo Caio e pelo Yuri, que se sentiu humilhado, diminuído, apontado por alguns colegas como “o irmão do retardado”. E numa hora dessas, eu não posso nem ficar brava com as crianças. Afinal, elas ouviram isso de uma autoridade, de alguém que tem o papel de lhes ensinar como são as coisas: uma professora! Como indivíduo, não aceito que uma pessoa que deve ser preparada para ajudar a formar os cidadãos do amanhã dissemine uma ideia dessas. Errada e totalmente preconceituosa.

Certo que ainda há muita luta pela frente para que as pessoas possam entender que a paralisia cerebral não é um cérebro inoperante. Muito ao contrário, na maioria dos casos, o cérebro de um portador de paralisia é um cérebro criativo e ousado, que busca outros caminhos, faz conexões diferenciadas para tentar exercitar aquilo que, fisiologicamente, lhe é negado pela lesão.

Meu Caio é um belo exemplo disso. Teve, aos 2 meses de idade, um cérebro com 80% de sua região lesionada. Hoje, tem menos de 5%! Percentual este que ainda o impede de muitas realizações do ponto de vista prático, de conquistas motoras e físicas. Mas que tem mostrado a mim e a seus cuidadores – pediatra, neuro, fisioterapeuta, fono... – uma grande capacidade de raciocínio, aprendizado, memória. Que, como postei há poucos dias, busca alternativas para realizar aquilo que seus músculos teimam em não conseguir.

Caio teve a matrícula indeferida na escola especial porque, aqui em Canoas ao menos, é necessário um atestado de deficiência mental para que ele possa freqüenta-la. Caio não tem. AINDA. Pode ser que o convívio na escola regular demonstre que ele não tem realmente capacidade, para acompanhar as demais crianças de sua faixa etária. Pode ser, ainda não está totalmente descartado.

Exposto isto, me coloco à disposição da professora para lhe ensinar o bom e claro português. Caio é DEFICIENTE (1). Tem DEFICIÊNCIA (2). A saber, segundo o amansa-burros Aurélio: 1. Que tem deficiência. 2.Falta, carência. Insuficiência.
Sim, a lesão cerebral do meu filho faz com que seus músculos e membros, perfeitos morfologicamente, sejam insuficientes para que ele caminhe. Caio tem, segundo os laudos médicos, RDNP, que significa RETARDO DO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR. Significa que seu desenvolvimento, a nível neurológico, psíquico e motor, é mais atrasado do que da maioria das crianças de sua idade. Ele recém está começando a falar, por exemplo, aos cinco anos de idade, quando isso normalmente acontece por volta do primeiro ano de vida. Neste ponto, a professorinha pode até estar certa. Caio é um RETARDADO(3)! 3. Atrasado. Demorado. Mas, ainda no próprio Aurélio é apresentado o significado depreciativo do substantivo: Indivíduo cujo desenvolvimento mental é inferior ao normal. E aí, a coisa pega fogo...

Primeiro que, para mim, o desenvolvimento mental do Caio não é inferior! É um pouco mais atrasado. Seu processo é mais lento. Mas não é inferior. Ele busca alternativas, dentro da sua deficiência, para fazer as tarefas mais simples! Esse querer dele, já avaliado inclusive pela fisioterapeuta, é transformador! Não é acomodado! Quantas pessoas “normais” que conhecemos que se deixam abater pelo ostracismo (será que a professora do Yuri sabe o que isso significa?), pela acomodação? E meu filho, graças a Deus, não é assim! Depois, porque mesmo que ele tivesse todo o atraso mental do mundo, ela não tem o direito de rotulá-lo dessa maneira! Ela não tem o direito de disseminar o preconceito e estigmatizar um ser humano, ainda mais uma criança, desse jeito!

É uma luta constante para que a sociedade entenda que os deficientes podem ser, como diz uma campanha aqui de minha cidade, eficientes! Para que mais Eduardos e Flávias, exemplos lindos de superação de suas próprias dificuldades, da acessibilidade tão parca e do preconceito, conquistem o direito de estudar, de se tornarem “doutores” (com diploma universitário) e sejam cidadãos muito úteis e atuantes.

E aí vem uma professora e rotula. Ah, ele não caminha, ele não fala adequadamente, ele é retardado! Porque foi assim que ela disse em aula. “Vocês não sabem o que é ser retardado. Retardado é aquela pessoa que não consegue aprender, que não consegue entender nada, que não consegue se desenvolver. Como o irmãozinho do Yuri.”

Mesmo tendo passado quase um ano, eu só fiquei sabendo disto agora. Ainda que a professora não dê aula atualmente para o Yuri, é preciso que a direção da escola saiba do ocorrido, receba meu repúdio e se posicione. Agendei uma reunião para os próximos dias. Não posso aceitar que este tipo de coisa aconteça. Pelo bem do Caio, do Yuri e de todas as crianças que estão ainda em formação e precisam aprender a viver num mundo sem preconceito, sem pré-julgamentos.

É até bom que não seja algo recente e que ela não seja mais a professora do Yuri. Porque, caso contrário, ia ouvir diretamente de mim, umas palavrinhas nada agradáveis mas bem adequadas ao seu caso, em bom e claro português!

2 comentários:

Renata Pinheiro disse...

Dinha,
Para a maioria das pessoas, retardado ainda tem uma conotação negativa. Imagino o quanto tenha sido difícil pro Yuri ouvir isso. E não apenas professores falam assim - ainda ouço muito o termo entre profissionais da área da saúde.
Ao invés de RDNP, aprendi na faculdade a usar ADNP. Trocar o retardo por atraso parece tirar um pouco do peso do termo. Mas, mais do que trocar palavras, vejo que o principal é que as pessoas tenham mais informações, o que ajuda a diminuir o preconceito (e, na minha opinião, professores são alguns dos profissionais que mais devem se preocupar com isso).
Beijo pra você e pros meninos!

Laís disse...

Dinha, o que mais existe na educação são professores que mal sabem o que é deficiencia, que ainda estão nakele pensamento de que a pessoa é coitada, que está pagando os pecados. Ainda falta muito para perceberem que a deficiencia é apenas uma das condições humanas e que qualquer um as tem, seja lá no que for.

Eu sou professora, estou me formando agora e fico triste em ver esse tipo de comentário.O tempo em que vivemos já não permite esse tipo de coisa, nós, mais do que ninguém, precisamos ir buscar conhecimento, precisamos reavaliar nossas práticas, nossos pensamentos. A inclusão está aí, a sociedade, mesmo q lentamente, está se dando conta da diversidade de sujeitos.

Mantenha o seu bom português sempre na ponta da língua, o que você disse aqui poderá constribuir para muitos que ainda pensam diferente e disseminam a exclusão e o preconceito.

Bjão pra vcs!