quinta-feira, 19 de maio de 2011

O primeiro dia do resto de nossas vidas

Caio iniciou na escola essa semana. Mais precisamente dia 17, dia do seu aniversário, o que acho bastante emblemático.

Eu não sei se saberei traduzir a importância e a alegria desse acontecimento. Num primeiro momento, já é, independente do futuro escolar do Caio, uma vitória. Para o menino que diziam, não completaria uma semana de vida. E que, teimoso e indo muito além desse prognóstico inicial, diziam então, seria completamente vegetativo. Pois essa semana, esse mesmo menino estava em sala de aula, numa escola regular, recebendo canções e abraços dos novos colegas pelo seu 6º. aniversário. Já vencemos, sei disso. Mas queremos mais.

Essa escola entra na minha vida como um presente. É uma escola pública, municipal. Desde que me mudei para junto da minha mãe, convidam o Caio para freqüentá-la. Eu, lááá, atrás, nem cogitava essa hipótese. Confesso: por ser pública, num dos bairros mais pobres e violentos da minha cidade. E mais: porque há 3, 4 anos atrás, Caio também me parecia completamente despreparado para freqüentar uma escola.

Como eu costumo dizer, ainda bem que o mundo dá voltas. Caio tem se desenvolvido cada vez mais e, principalmente, eu tenho aprendido cada vez mais como funciona o mecanismo da tal, antes assustadora, paralisia cerebral em seu corpo, sua cabecinha, seu cotidiano. Quando comecei a pesquisar se o caminho seria uma escola especial ou regular, esta, a do meu bairro, foi apontada como uma das melhores no quesito inclusão, com uma experiência de vários anos no atendimento a alunos com as mais diversas deficiências. O que vejo, nos primeiros dias, é que realmente é.

Durante todo o processo burocrático, entre inscrição, avaliações psico-neuro-pedagógica e social e a matrícula propriamente dita, foram mais de 4 meses. Mas a escola sempre esteve de portas e coração abertos. Eu ligava, ia lá, pentelhava mesmo. E seus profissionais me mostravam que também estavam esperando ansiosamente o Caio e que queriam oferecer o melhor para ele. Estou, com muita alegria comprovando isso, na prática.


No dia da matrícula, fui com o Caio. A diretora fez questão de agendar um horário em que ela estivesse presente pois quer participar de tudo pessoalmente. Me sabatinaram por mais de uma hora sobre todas as necessidades dele, hábitos, etc. Medicações, alimentação, posicionamento (pegar no colo, deitar, deixar de pé), as idas ao banheiro, as brincadeiras favoritas dele... Propuseram agendar um encontro entre eles e a equipe que acompanha o Caio na ACADEF, buscando uma sintonia de métodos e objetivos. Senti um tratamento diferenciado, para usar um termo da moda. Caio não é mais um. É UM aluno, ele, o Caio.

No dia seguinte, o começo da adaptação. Já no portão foi uma festa, várias “tias” (as monitoras), profes e pessoas da Secretaria mesmo vieram recebê-lo. Muitas vieram, reconhecê-lo, uma vez que a menina que minha mãe cria freqüentou ali toda a educação infantil, e ela ia buscá-la sempre com o Caio, então o conhecem desde o primeiro ano, aproximadamente.

Os colegas foram avisados, uns dois meses antes, de que receberiam um novo colega. Que ele era especial. Que não caminhava ainda. E eles estavam esperando ansiosamente por ele, o anúncio de sua chegada foi muito comemorado.

Caio entrou um pouco desconfiado, logo começou a chorar. Ainda assim, ele foi levado para sua sala, a do Jardim A. Eu fiquei bem afastada*, num corredor, só ouvindo alguns movimentos. O choro durou uns 15 minutos. Tempo dele tomar uma mamadeira, afinal já era mesmo a hora do lanche da tarde. Detalhe: mamou no refeitório! E logo os colegas deram as boas vindas oficiais. Fizeram uma rodinha, disseram seus nomes e idade, se apresentando a ele. Depois, cantaram parabéns. Pronto. O menino estava conquistado!

Ele ficou por aproximadamente uma hora. Quando fui pegá-lo, ele fez um “denguinho”. Mas tanto a professora quanto a monitora avaliaram seu comportamento, para o primeiro contato, como muito bom.




O segundo dia foi ainda melhor. Eu vou explicando ao Caio que agora ele terá a escola e irá conviver com os colegas todos os dias. Então, logo depois do almoço eu avisei-o que estava na hora de ir para a escola. Ele foi muito sorridente todo o trajeto. Chegando lá a festa na recepção, por parte de professoras e auxiliares se repetiu e ele esbanjou sorrisos.

E aí minha surpresa: fui mandada embora! Como a escola fica a 5 minutos da nossa casa e planejaram que no segundo dia seu tempo de permanência seria de 1h40, me liberaram para voltar para casa, dar um volta... Qualquer eventualidade, claro, ligariam no meu celular.

Sensação estranha essa viu? A de ver, de um dia para outro, a independência do filho que se julga tão dependente, tão frágil... Mas é uma sensação boa. De que está tudo no caminho certo.

Fui buscá-lo no horário combinado e ele estava na pracinha com os colegas. Me enterneço e acredito mesmo no seu futuro nessa escola: uns 4 ou 5 coleguinhas não queriam brincar nos brinquedos da praça. Estavam em volta do Caio. Uma colega lhe alisava os cabelos, outro lhe segurava uma das mãozinhas. Vejo que elas já são acostumadas com essa diferença. Se aproximam sem medo, com naturalidade e carinho. Fico feliz que só...

A monitora me conta que ele realmente chegou muito feliz, mas mal mamou e já dormiu. Ela deixou ele dormir uns 20 minutos, afinal hoje ele teve fisioterapia pela manhã até quase o meio-dia. Foi o tempo de chegar em casa, almoçar, fazer a higiene e ir para a escola... Óbvio, temos que dar esse tempo para ele. É muita novidade e muita atividade junto! Aí ela o acordou para ele participar da integração com os colegas. E me conta que ele ficou muito bravo, “brigou” com ela. Mas durou poucos minutos, logo foi acalmado pelos colegas. Quando eu cheguei para buscá-lo ele estava 100% confortável e alegre junto ao grupo.



E hoje tem mais... é seu terceiro dia e ele deve ficar mais de 2hs. A previsão é adaptá-lo ao turno de quatro horas e meia em uma semana, dez dias. Caio está sendo avaliado como respondendo muito bem nesses dois primeiros dias. É sociável e interativo, com boa capacidade de integração.

Às vezes me arrependo de não tê-lo colocado na escola antes. Mas acredito mesmo que é tudo no tempo certo, quando tem que ser, no tempo de Deus. Caio já teve a imunidade muito fragilizada. Já foi uma criança muito “complicada” de lidar. Acho que este é o momento certo. Ele está pronto. Eu também, claro.

Certo que estou cheia de medos e inseguranças. Se ele vai conseguir se adaptar a esta rotina puxada de terapias de reabilitação mais escola. Se vai ter progressos no desenvolvimento com essa convivência. Se será feliz...

Mas acredito mesmo, o mais importante já aconteceu. Demos o primeiro passo. Ainda que não seja nessa primeira escola (por mais que eu esteja acreditando que sim, já é!), confio que Caio há de encontrar seu lugar. Acho sim que vai ser transformador. Foi o primeiro dia de uma nova vida inteira de descobertas.

Ou ainda, como me disse uma amiga muito especial, Caio começa na escola no dia do seu aniversário. É renascimento! Caio renasce para novos desafios, para mais oportunidades de superação, para novas e intensas alegrias. Assim seja! Confio.


* Yuri recebeu autorização da diretora, por ser aniversário de ambos, e entrou na sala no primeiro dia, fotografou e filmou vários momentos.

* Querem ver a festa que os colegas fizeram ao Caio pelo seu aniversário? Assistam aqui!












 






5 comentários:

Marina Mottin disse...

Ai guria... tu sempre me emocionando e ensinando com tuas palavras. Que feliz fico com tudo isso! O Caio merece!!

Marina Mottin disse...

Emocionada com esse momento... que lindo teu depoimento. Vocês merecem! bj

Eva disse...

Dinha, pra quem lê você há tantos anos, e acompanhei (de longe, tão longe) esse progressos, seus encontros com os especialistas corretos, vencer as convulsões e os preconceitos, a única reação possível ao ler esse texto é a emoção.

(Li no trabalho, e os olhos enchiam de água, eu fazia esvaziar, enchiam de novo)

Desejo que cada dia seja uma comemoração. Lindos.

Bárbara Szücs disse...

Dinha!! Como eu fiquei feliz com o teu relato!!! Segurei umas lagriminhas para não fazer feio no escritório, mas queria te dizer que com certeza, os medos e incertezas existem apenas no coração da mãe protetora e zeloza que és. Para as crianças, as novidades são sempre bem vindas e a adaptação do Caio vai ser ótima, você vai ver!! Beijos!!

Daniela de Floripa disse...

Dinha , li tudo emocionadíssima!!!
Beijos para este menino maravilhoso que nos mostra a cada dia , afinal a que veio.
Beijos atrasados para o Yuri também , pelo aniversário de ambos!!!