quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Expectativas

Eu costumo dizer que sou ansiosa de pai e mãe. Por isso, é a minha ansiedade o fator que mais tento trabalhar em minha terapia e vida a fora. Porque ela me fere, me faz sofrer por antecipação, me machuca quando as inevitáveis decepções da vida vêm...

Então, dá para imaginar como foram terríveis para mim os primeiros meses de vida do Caio, quando eu não sabia o que ele tinha, mas percebia que havia algo errado, que ele não era como as demais crianças. Fiquei meses na expectativa de um desenvolvimento "normal", que não aconteceu. Quando soube da paralisia, fiquei na expectativa de aprender mais sobre ela, mas principalmente focando em uma possível "cura". Eu ainda não entendia a palavra "reabilitação".

Sempre comento que quando pude entender melhor o que Caio tem, que paralisia cerebral não tem cura, mas que também não necessita ser uma condenação à invalidez total e permanente, eu passei a ver as coisas de forma mais leve. O que não quer dizer que seja fichinha todos os dias. Não é.

Eu participo de um grupo de pais na ACADEF, onde o Caio faz suas terapias. É um espaço muito bacana, onde podemos confrontar nossos sentimentos mais profundos e percebermos que, por mais que às vezes a gente pense estar, não estamos sós neste barco. Sempre dá para aprender com outro pai, outra mãe. Dá para ganhar um abraço de quem realmente entende teu choro. Dá para dar força para alguém quando a gente acha que não tem mais nem para si próprio...

Esta semana entrou uma mãe nova no grupo. Ela chorou muito. Falou da sua revolta do tratamento preconceituoso que, comumente seu filho de menos de dois anos, recebe na rua... Disse o quanto o ama, o quanto enxerga nele a criança e não um "doente", um deficiente... E no quanto está disposta a brigar, literalmente, por ele.

Fico sensibilizada. Eu já fui assim. Ainda estou disposta a brigar muito pelo meu filho, mas também sei que discutir e bater-boca não vão me levar a lugar algum, a não ser cultivar uma amargura maior dentro de mim mesma... Mas ao mesmo tempo que penso nisso, me pergunto o que houve? Estou resignada? Esta não seria uma forma velada de desistência?

Eu acho que a palavra certa não seria desistir. Seria deixar de criar expectativas. Não posso viver minha vida esperando que o outro enxergue as coisas como eu as enxergo. Certo que Caio merece todos os respeitos de qualuquer cidadão e sempre vou comprar brigas para ele poder ususfruir de seus direitos. Mas isso, é algo que farei pelo meu Yuri também, que, por exemplo, já sofreu uma espécie de bullying por ser gordinho... A luta por nosso espaço, por respeito, por não ser tachado, estereotipado... Não tem a ver com deficiência, tem a ver com cidadania. Mas, vamos e venhamos, tem muita gente por aí que não merece que eu gaste meu lindo português para explicar que o Caio não é doente, nem tem defeito, como muito já ouvi...

Eu estou numa fase de criar menos expectativas. E confesso, é para minha auto-defesa. É minha forma de lutar contra minha ansiedade crônica. Mas acho também que é uma forma realista de encarar as coisas. Sonho. Mas com um pé bem fincado ao chão.

Um exemplo. Caio tem 6 anos. Não consegue sequer sentar sozinho ainda. Não controla o pescoço, o tronco. E embora sua fisioterapeuta me diga que acha que ele tem evoluído nos últimos meses, eu não tenho visto grandes avanços motores. Então, me parece coerente pensar que, à medida que o tempo passa e Caio não consegue coordenar estes movimentos básicos como sentar e segurar o pescoço, suas chances de vir a andar, como eu tanto queria, diminuem. Cada vez mais projeto um futuro onde talvez Caio seja um cadeirante. E penso em outras alternativas de felicidade, disvinculadas do tão valorizado pela sociedade, o "caminhar".

Aí quando compartilho isso, ouço críticas. "Ah, mas tu estás sendo negativa, estás desistindo do teu filho". Isso é injusto e superficial. NUNCA desistirei do Caio. Bipolar como sou, agora mesmo, ainda concentro expectativas na hidroterapia que vai iniciar na ACADEF este mês. Quem sabe ainda seja um meio de lhe conferir este controle que lhe falta? Eu vou oferecer todos os meios que estiverem ao meu alcance. Mas trabalhando com a possibilidade que pode dar certo. Ou não.

Acho mais honesto comigo e com ele. E menos penoso. Não quero trabalhar exclusivamente com a possibilidade de uma reabilitação plena - andar e caminhar "normalmente - quando a realidade dos pcs é muito diferente deste sonho ideal. Vamos, como eu acho que tem de ser a todo mundo, vivendo um dia de cada vez. Caio está vivendo um momento maravilhoso em seu desenvolvimento cognitivo, intelectual. E eu estou transbordando de alegria e orgulho por isso! Claro que seguimos trabalhando a motricidade. Mas talvez não consigamos ter tudo. Tenho absoluta certeza de que tudo o que conquistamos até aqui já foi muito. E ainda quero mais. Mas sem muitas expectativas. Meu sonho, cada vez mais, se resume a ser feliz. Felicidade essa que pode andar de cadeira de rodas, por que não?

sábado, 27 de agosto de 2011

Top Five

1. Caio anda vivendo dias bons, novamente, apesar dos percalços do nosso inverno que eu, que adoro inverno, já cansei! 35 graus num dia, 10 no outro... quem guenta? Aqui em casa, todos na média de dois antibióticos até agora... Afff! Caíto apesar de tudo, então, dando show! Teve agorinha ainda uma amigdalite herdada dos pais + um chiado no pulmão direito. E, apesar disso, ganhou umas graminhas e se mantém na linha verde da tabela de peso. Se se mantiver assim, em 60 dias ganhamos alta da nutricionista! E não teve nem sombra de convulsão! \o/\o/\o/ Isso pra mim é 10, é tudo! Na escola, segue feliz da vida, muuito falante, muito esperto, dando respostas quase imediatas sempre que é chamado. Está sendo A terapia, A estimulação! E adora o material escolar, reconhece... o pai comprou giz de cera e hidrocores extras... olha só a felicidade do estudante...



2. Yuri tem me causado certa preocupação na escola. Ficou abaixo da média em 4 matérias no primeiro trimestre e agora se encaminha para recuperação em mais 5! E não é papo de mãe coruja, o problema dele não é dificuldade de aprendizado... É comportamental... Foi, inclusive, suspenso das aulas por um dia, o que me arrasou. Primeiro, fiquei furiosa com ele. Agora, estou tentando ser mais paciente, conversar, entender seus processos. Me dou conta que ele, ultimamente, caiu de "preferência" aqui em casa. Primeiro era o Caio e suas intercorrências. Agora, é a saúde do pai. Se tem dias que não é bolinho pra mim, "véia" calejada, imagino pra ele, que ainda tem que entender seus próprios dilemas de transição entre a infância e a adolescência... Ainda hoje tive uma reunião com os professores na escola. Yuri foi junto e acho que o resultado pode ser produtivo. Quero disciplinar e orientar. Mas quero também que ele saiba o quanto o amo, o quanto acredito nele!


3. Profissionalmente começo a viver um momento bem motivador. Tive uma reunião semana passada e me sinto prestigiada. Acho que um novo caminho pode estar vindo por aí... Torço. Sonho. Me esforço.

4. Meu marido é fonte de preocupação. É o terceiro filho. Está hipertenso e a medicação indicada não está funcionando. Os novos exames cardíacos só depois do dia 12, devido à carência do plano. Só mesmo acendendo mais uma velinha pra Santa Rita e Nossa Senhora do Boa Saúde. Fé.

5. Média de dois posts por mês. Já fui melhor nesse lance de blog, hein? Pois é... tenho pensado muito no papel do Meus Frutos. Para mim e para eventuais leitores. Às vezes penso se ele ainda exercec alguma função importante... ou se seu prazo de validade já expirou... A se pensar, com carinho, no seu futuro.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A vida como ela é

Então que hoje foi a temida revisão com o neuropediatra do Caio. E eu fiquei com a sensação de não saber para onde ir...

Notícias boas: em princípio não há uma evolução negativa da síndrome de West, como eu cogitava. Sim, a longa crise de ausência pode ter sido uma crise convulsiva e nada mais grave.

Notícias apreensivas: Caio tem uma forma nada branda de epilepsia que, atualmente, não está sob controle. As formas de controle? Trocar as medicações ou incluir novas. Como Caio já teve hepatite medicamentosa, nosso leque de opções é mais restrita do que o de uma criança sem este histórico. Em princípio o Richard queria incluir uma quarta medicação, para somar com os três anticonvulsivos que o Caio já faz uso contínuo. E minha negação para isso é muito forte.

Não gostaria de ver meu filho dopado por um sem-número de medicações. Gosto de saber que, apesar de suas limitações, ele tem a capacidade de interagir, de "curtir" a vida, ao seu modo. Penso no quanto ele está feliz na escola e não gostaria de lhe tirar isso - e nem de mim, confesso. Mas tenho consciência de que realmente sua epilepsia não é bolinho. Atualmente Caio toma 10 (!) comprimidos diários, de duas formulações distintas, mais quase 20ml de um terceiro anticonvulsivo. E nem por isso ele vive sonolento, pelo contrário. Então, imagino que seu cerébrozinho realmente precisa desse "apoio" medicamentoso todo.

Mas, como o Richard recém aumentou a dosagem dos três anticonvulsivos, por conta do excelente ganho de peso do Caio no tratamento nutricional, e recém chegamos na dose pretendida como ideal, vamos aguardar. Observaremos por 30 dias e eu vou cruzar os dedos, rezar ajoelhada, fazer simpatia, acender vela para que ele não volte a convulsionar neste período.

Mor-ro de medo dele ter nova convulsão grave. Mas também mor-ro de medo de estar fazendo a escolha errada, adiando uma nova medicação. Complicadíssimo administrar essa bipolaridade de sentimentos maternos. Porque quero o melhor para o meu filho. Mas o melhor pode não ser exatamente como eu quero, almejo.

Acho que o grande baque de ter um filho com deficiência é esse. As coisas perdem o seu glamour. Há alegria, existem os momentos de vitória, há superação. Mas há, principalmente, a constatação nua e crua que a vida é como é, e não como desejamos. Óbvio que é assim na vida de todos, inclusive os sem deficiência. Mas quando se luta todos os dias no limiar entre a vida e a morte, entre a saúde e a doença, entre a reabilitação e a incapacidade, a gente percebe que não há espaço para floreios. Sonho coisas lindas para meu Caio. E ainda quero acreditar que algumas serão possíveis. Mas tem horas que a paralisia, a epilepsia, a deficiência me mostram que não, não dá, não é assim.

Nesses momentos fica difícil manter a fé. De que tudo vai dar certo, de que vamos superar. Agorinha mesmo eu estou querendo é não criar expectativas, nem viver sob o domínio da neura da potencial convulsão. E querendo muito que a vida seja como ela é, mas que nos seja boa... :'(

sábado, 6 de agosto de 2011

Tô com medo sim!

Então que todo dia penso em vir aqui e contar como estão as coisas.
E todo dia eu deixo, porque espero que estejam melhores.
Normalmente, salvo algumas exceções, quando sumo é porque não tô legal. E não gosto de vir aqui pra me lamentar...
Mas daí que decidi que não dá mais pra esperar. Não tá tudo bem, não são tudo flores, as coisas estão difíceis, eu estou sofrendo. Sem mimimi. Mas com verdade. Essa sou eu, essa é minha vida hoje.

Meu marido não ficou bom. Tem taquicardia quase toda noite. Cansa muito fácil. E, pra ajudar, deu uma flebite no braço onde foram feitas as punções e medicações quando da sua internação. Flebite é uma inflamação que obstrui as veias e, se não tratada, pode ter sérias consequências como a trombose.
A consulta dele com o cardiologista que as irmãs insistem que é o melhor é terça próxima. Gostaria que talvez ele pudesse tomar um remédio ou algo assim. Gostaria que ele ficasse bem. Que não fosse a tal isquemia cardíaca, que o primeiro diagnóstico estivesse errado e fosse algo mais simples, passageiro quem sabe...

E na quarta-feira Cainho vai ao neuro.
E, devo confessar, depois de tanto tempo me sentindo um pouco mais "segura", estou morta de medo.
Para quem não lembra, não acompanhava antes, Caio já teve diagnóstico de Síndrome de West. O que significava profundo retardo mental e possibilidade de crises convulsivas diárias. Graças, Caio não apresentava esses sinais. Teve, no auge de seu pior ano, em 2008, uma média de uma crise convulsiva mensal. Mas tinha o traçado eletroencefalográfico típico da síndrome. No fim do ano passado, mais de meio ano sem nenhuma crise, perguntei ao neuro dele da tal síndrome. Ao que ele me respondeu que, em princípio, Caio não tinha mais West. Que era muito comum as síndromes neurológicas se modificarem com o crescimento da criança. No caso do Caio, que chegou a ficar um ano sem convulsões, nos parecia uma mudança para muito melhor. Mas agora não estou conseguindo acreditar nisso. Depois de muito tempo, não estou conseguindo ver a metade cheia do copo...
Caio teve duas crises breves de ausência de maio para cá. Uma crise convulsiva focal forte em junho, que durou quase 1 hora! E esta última, que tanto me assustou. No fundo, tenho medo, inclusive, que a última crise convulsiva talvez nem convulsão tenha sido...
Estou me preparando para ter uma conversa muito difícil com o Richard, neuro do Caio. Porque quero investigar tudo, saber todas as possibilidades. E nisso, o Richard é campeão. Nunca me escondeu os piores prognósticos, quando eles existiam. Confio nele. Mas morro de medo. De que o West possa ter se transformado em outra síndrome mais grave, degenerativa, pior... Tenho evitado ao máximo consultar o "Dr. Google", porque ele é ótimo pra piorar ainda mais nossa angústia frente a um diagnóstico médico.

Estou com medo, novamente, de perder meu Caio.
É um medo que tenho desde antes dele nascer. E acho que eram medos muito reais, muito possíveis. Tive medo quando a bolsa rompeu e não fizeram o parto. Tive medo durante o trabalho de parto. Durante a sepse, a meningite, a cirurgia da DVP. Tive medo durante as primeiras crises convulsivas, a hepatite... Aprendi, com o tempo, a lidar melhor com isso e, principalmente, trabalhar a minha fé, que julgo fundamental em casos assim. Agora mesmo, quando escrevo, eu penso "pqp, Cainho é mesmo guerreiro, já superou tanto nessa vidinha; não veio à passeio, não". Mas tenho medo. 

Ando com outras coisicas pra resolver na minha vida, mas no momento nada é mais importante do que a saúde de dois dos meus três meninos.
Tenho mania de evocar Nossa Senhora da Boa Saúde e descobri dia desses que ela existe mesmo! Que ela possa fazer vigília em meu lar e junto dos que amo. É a minha prece.