sábado, 14 de abril de 2012

A dor - e a força - de cada um

Os últimos dias foram tomados de uma avalanche - nas redes sociais, imprensa, nas ruas - de opiniões sobre o julgamento do STF do direito à interrupção da gravidez de bebês anencéfalos. Realmente, é um tema controverso. Mas o que me espanta - como sempre (então por que ainda espanta mesmo?) - é a guerra que o assunto se transforma. Cada um querendo expôr a sua verdade, a sua justificativa como a certa, a única e absoluta. Principalmente os que agem em nome do que justificam como "defesa da vida" e princípios religiosos.

Então, ainda que tardiamente, já que o STF já decidiu, gostaria também de me manifestar. E, como todos, eu também acho que tenho propriedade para falar no assunto.

E o que quero dizer é que a decisão de conceder à mulher o direito de interromper uma gestação deste tipo é soberana porque respeita a liberdade! Liberdade essa com a qual eu tenho o direito de decidir os rumos que minha vida vai tomar. Ou como alguns preceitos religiosos explicam é o direito ao livre arbítrio. Sempre digo que o Deus que acredito é mais tolerante do que os homens. Não condena com pedras, com agressão. Acredito sim, que todas as nossas ações geram consequências. Ainda assim, eu tenho o direito de escolher qual caminho trilhar. Tenho o direito de escolher quais dores tenho coragem e força para suportar e onde - aqui, nesta encarnação, ou mais tarde, em outro plano, como resposta a essas mesmas escolhas.

Meu Caio não nasceu com deficiência, não teve má formação, nada que pudesse prever uma deficiência. Sua paralisia cerebral veio do parto e de tudo que transcorreu durante ele e após ele. E eu lembro bem do semblante "funéreo" dos médicos à medida que iam me informando a evolução: sepse, meningite, lesões cerebrais, sequelas graves, hidrocefalia... Ainda assim, por pior que eles me desenhassem o quadro, eu reafirmava que o queria vivo, não interessando em quais condições. Já escrevi sobre isso. Firmei um contrato com Deus mais de uma vez, pela vida do meu filho! E digo, sem medo de errar, não houve um só minuto ao longo destes quase 7 anos de muita luta, mas de muito amor, em que eu ache que tenha feito a escolha errada.

E me choco, porque já escutei muito. Escuto ainda, como agora, em sua recente internação no Santo Antônio, de outra mãe, que ela teve um filho "como" o meu, mas que "Deus, graças, o levou". Acho que é fácil e superficial as pessoas acharem que podem medir meu sofrimento, meus problemas por ser mãe de um menino deficiente. Mas sempre reforço, que ninguém, só eu mesma, pode saber que alegria que é, que gratificante que é, que inspirador que é. Faço todos os tratamentos recomendados, sonho sim com melhorias, com avanços e reabilitação. Mas como fruto de uma estrada, como saldo da nossa história.

Mas para um bebê com anencefalia não há chance de história, de estrada, de futuro. A gestação de um bebê que sabe-se vai morrer logo em seguida, em minutos talvez, é desumana. Não creio num Deus que obrigue uma filha Sua a passar por isso. Ele traz a experiência. O que fazer com ela, de que modo lidar com isso, é direito de cada uma escolher como. Eu não saberia lidar com uma dor do tamanho da de Alessandra ou de Severina. Juro. Acho que enlouqueceria. E não as julgo. Assim como não julgo e admiro as que decidem levar a gestação até o final, movidas por amor, fé, o que seja. O que não pode é que ela seja uma imposição, ou fruto de medo da religião ou da opinião pública.

Nada é mais pessoal do que o sentimento de cada um, especialmente de cada mãe. Me parece sim, que qualquer opção que seja, é uma escolha de dor, como foi dito. Então, a escolha é até onde acolher e enfrentar esta dor. Alguns divulgaram a história da menina Vitória, como um exemplo de anencéfala. Há controvérsias e eu não sou ninguém para dizer que é ou não é. Ainda assim, admiro seus pais. Mas eu não teria a mesma coragem, admito. Que Deus vai me julgar por isso, eu sei. Mas acredito que Ele vai me julgar por uma vida inteira. Que, justo, vai usar uma balança. A votação do STF só reforça o livre arbítrio e, a meu ver, é um avanço rumo à igualdade de condições. Porque quem quiser fazer a interrupção da gestação e tem condições financeiras, vai continuar fazendo. Quem não quiser, por suas crenças ou o que for, também não será obrigado a fazê-la. Mas outras Alessandras e Severinas poderão viver sua dor com mais dignidade, com mais respeito.

Não somos juízes uns dos outros. Somos irmãos de jornada. E essa, talvez, seja a lição mais importante de todo este episódio. Já dizia Caetano que "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Que nós façamos as nossas escolhas e respeitemos sempre a dos outros, sem julgar. É isso.

2 comentários:

Christina Frenzel disse...

Dinha, mais uma vez estou emocionada com seus textos. Falou tudo, minha amada. Cada mulher sabe o,tamanho da Cruz que consegue carregar...
Beijos, linda!

Paula disse...

Cheguei ao seu blog despretensiosamente quando cliquei num link sobre "carma" na busca do Google.
Cheguei aqui já me encantando com a sua descrição pessoal, que, de tal sorte tão oportuna, poderia ser uma descrição minha.
Me apaixonei por tudo o que li e já estou, também, apaixonada pelo Caio e pelo imenso e verdadeiro amor entre vocês.
Dinha, que Deus sempre te abençoe. Que Deus sempre abençoe sua familia e seu lar.
Nosso Deus é o mesmo. Tive certeza disso quando li esse post sobre anencefalia.
Felicidades na sua vida! ;)

Beijos